LeNeku
Lucca   Sao Paulo, Brazil
 
 
Neste mundo, e até também fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitação a não ser uma só coisa: uma boa vontade. Discernimento argúcia de espírito, capacidade de julgar e como quer que possam chamar-se os demais talentos do espírito, ou ainda coragem, decisão, constância de propósito, como qualidades do temperamento, são sem dúvida a muitos respeitos coisas boas e desejáveis; mas também podem tornar-se extremamente más e prejudiciais se a vontade, que haja de fazer uso destes dons naturais e cuja constituição particular por isso se chama carácter, não for boa. O mesmo acontece com os dons da fortuna. Poder, riqueza, honra, mesmo a saúde, e todo o bem-estar e contentamento com a sua sorte, sob // o nome de felicidade, dão ânimo que muitas vezes por isso mesmo desanda em soberba, se não existir também a boa vontade que corrija a sua influência sobre a alma e juntamente todo o princípio de agir e lhe dê utilidade geral; isto sem mencionar o facto de que um espectador razoável e imparcial em face da prosperidade ininterrupta duma pessoa a quem não adorna nenhum traço duma pura e boa vontade, nunca poderá sentir satisfação, e assim a boa vontade parece constituir a condição indispensável do próprio facto de sermos dignos da felicidade.

Algumas qualidades são mesmo favoráveis a esta boa vontade e podem facilitar muito a sua obra, mas não têm todavia nenhum valor íntimo absoluto, pelo contrário pressupõem ainda e sempre uma boa vontade, a qual restringe a alta estima que, aliás com razão, por elas se nutre, e não permite que as consideremos absolutamente boas. Moderação nas emoções e paixões, autodomínio e calma reflexão são não somente boas a muitos respeitos, mas parecem constituir até parte do valor íntimo da pessoa; mas falta ainda muito para as podermos declarar boas sem reserva (ainda que os antigos as louvassem incondicionalmente). Com efeito, sem os princípios duma boa vontade, podem elas tornar-se muitíssimo más, e o sangue--frio dum facínora não só // o torna muito mais perigoso como o faz também imediatamente mais abominável ainda a nossos olhos do que o julgaríamos sem isso.

A boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão somente pelo querer, isto é em si mesma, e, considerada em si mesma, deve ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo o que por seu intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação, ou mesmo, se se quiser, da soma de todas as inclinações. Ainda mesmo que por um desfavor especial do destino, ou pelo apetrechamento avaro duma natureza madrasta, faltasse totalmente a esta boa vontade o poder de fazer vencer as suas intenções, mesmo que nada pudesse alcançar a despeito dos seus maiores esforços, e só afinal restasse a boa vontade (é) claro que não se trata aqui de um simples desejo, mas sim do emprego de todos os meios de que as nossas forças disponham), ela ficaria brilhando por si mesma como um jóia, como alguma coisa que em si mesma tem o seu pleno valor. A utilidade ou a inutilidade nada podem acrescentar ou tirar a este valor. A utilidade seria apenas como que o engaste para essa jóia poder ser manejada mais facilmente na circulação corrente ou para atrair sobre ela a atenção daqueles que não são ainda bastante conhecedores, mas não para a recomendar aos conhecedores e determinar o seu valor.

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